sábado, 26 de abril de 2014

Severina, morte e vida


Há tempos de morte e há tempos de vida.

Ninguém, por mais desgraçado que seja,
vive só nas trevas.
Não há mal que perdure sempre,
não há sorte imutável.
Lembra-te: nenhum destino está selado,
nasce-se e morre-se a cada estação,
a cada dia.

Sempre haverão os tempos de morte, mas noutros, vida
Sê firme e verás.

domingo, 13 de abril de 2014

Sobre lobos e serras

Atrás da antiga casa, na cidade velha,
fica uma serra que ainda conserva algo do verde, algo das pedras.
Contornada no topo por árvores frondosas
que queimam na luz do poente todo fim de tarde
e margeada na base por mato grosso e resistente,
ela se ergue segura e majestosa por uma
extensão que vai além do que os olhos podem alcançar.
Há uma lenda, que ainda sobrevive na cabeça dos velhos,
sobre um lobo que ronda a mata durante as madrugadas.
Um animal solitário, esquivo, que assustava viajantes e
sempre atiçou minha cabeça de menina.

Pra mim, ele era uma espécie de guardião daquela terra,
vagando por seus domínios sem ser notado.
Todas as vezes que pisei em suas estradas, de barro ou de asfalto,
esperei ver seu pelo queimado por entre o mato alto,
ou sua silhueta esguia em cima de uma pedra.

Nunca achei o lobo.
Do mesmo jeito que nunca consegui enxergar com
clareza metade dos mistérios que aquele lugar carrega.
A serra sempre foi pra mim uma senhora cheia de segredos,
me escondendo algo que nunca pôde ser definido,
mas que eu sentia no seu vento gelado.
Nunca desvendei seus disfarces, nunca fui capaz de ver o
que estava escondido atrás da densa cortina de verde.

E mesmo assim, mesmo sem ser capaz de chegar ao fundo
de todas as coisas que formam aquele lugar,
ainda devo a ela a capacidade de manter viva em mim
a habilidade de me fazer imaginar e me alimentar do invisível.
E é por isso que ainda hoje conservo a esperança de ver o lobo se materializar.

Memória

Muitas vezes, tenho a impressão que os dias passam por mim
sem deixar marca alguma.
Não recordo do que li,
das músicas que ouvi,
dos filmes que vi,
tudo me foge com a rapidez que a lebre foge do predador.
Parece que sou vazia de tudo
e só eu sei a angústia que isso traz.
O esquecimento é uma espécie de burrice.
As minhas referências estão perdidas no fundo da mente,
inalcançáveis, sinto-me muda.
O meu saber é não saber,
está fora do alcance das mãos,
corre dos lábios,
não pode ser passado a outros ouvidos.
Não é doença e, assim sendo, não há cura possível.
Resta adaptar-me a esta prisão.

domingo, 4 de novembro de 2012

Clarice

Clarice quer demais de mim
quer ser prioridade
quer ser primeiro e último
que que eu a sufoque de amor.
Clarice quer demais de mim
quer paixão desenfreada,
poesia bem marcada
ser começo, meio e fim.
Clarice quer demais de mim
ser presente nos meus planos
fazer parte do futuro
viver feliz até o fim.

Clarice me disse um dia
que não era importante
eu ri - querida, que bobagem
atroante. Pouco tu não me pareces,
e se não demonstro tanto,
é que nessas coisa de amor
ainda sou iniciante.
Agora ela me culpa,
por essa sede insaciável,
diz que precisa em demasia
porque ínfimo é o que concedo.

Clarice quer demais de mim,
e o que ofereço é tão escasso.
Agora Clarice está perdida,
e já não sei o que fazer
dou a ela muito pouco
do demais que ela precisa.
Paciência, paciência, Clarice,
um dia seremos meio a meio
nem teu demais, nem meu de menos,
seremos um inteiro.