Atrás da antiga casa, na cidade velha,
fica uma serra que ainda conserva algo do verde, algo das pedras.
Contornada no topo por árvores frondosas
que queimam na luz do poente todo fim de tarde
e margeada na base por mato grosso e resistente,
ela se ergue segura e majestosa por uma
extensão que vai além do que os olhos podem alcançar.
Há uma lenda, que ainda sobrevive na cabeça dos velhos,
sobre um lobo que ronda a mata durante as madrugadas.
Um animal solitário, esquivo, que assustava viajantes e
sempre atiçou minha cabeça de menina.
Pra mim, ele era uma espécie de guardião daquela terra,
vagando por seus domínios sem ser notado.
Todas as vezes que pisei em suas estradas, de barro ou de asfalto,
esperei ver seu pelo queimado por entre o mato alto,
ou sua silhueta esguia em cima de uma pedra.
Nunca achei o lobo.
Do mesmo jeito que nunca consegui enxergar com
clareza metade dos mistérios que aquele lugar carrega.
A serra sempre foi pra mim uma senhora cheia de segredos,
me escondendo algo que nunca pôde ser definido,
mas que eu sentia no seu vento gelado.
Nunca desvendei seus disfarces, nunca fui capaz de ver o
que estava escondido atrás da densa cortina de verde.
E mesmo assim, mesmo sem ser capaz de chegar ao fundo
de todas as coisas que formam aquele lugar,
ainda devo a ela a capacidade de manter viva em mim
a habilidade de me fazer imaginar e me alimentar do invisível.
E é por isso que ainda hoje conservo a esperança de ver o lobo se materializar.